Do trabalho a viagens inesquecíveis: mulheres conquistam o mundo das motos

Presença feminina na categoria A cresceu 81,5% em nove anos e já soma mais de 8 milhões de motociclistas


No Brasil, já são mais de 8 milhões de mulheres habilitadas a pilotar motocicleta. Crédito: Divulgação/ Blokton

Dá próxima vez que parar ao lado de uma motocicleta experimente observar se ela é pilotada por uma mulher! É possível que seja e que você note isso com mais frequência no trânsito. Andar motorizada sobre duas rodas é uma opção que cresce cada vez mais entre o público feminino.

De 2012 para cá, houve um salto de 81,5% no número de mulheres com habilitação A em todo Brasil, segundo o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran). Elas eram 4,6 milhões de motociclistas há nove anos, hoje são 8,2 milhões.

Para se ter uma ideia da imensa procura, só no Paraná, entre 2012 e 2021, a variação de mulheres que tiraram licença para pilotar aumentou cerca de 70%  (395 mil para 664 mil), enquanto no público masculino esse crescimento foi bem menor, de 38% (1,39 milhão para 1,90 milhão).

A presença delas nas ruas e avenidas é reforçada pela iniciativa em assumir o papel de consumidora desse tipo de veículo – atualmente, 1 em cada 3 compradores de motos no país é do sexo feminino, conforme levantamento da Abraciclo (Associação Brasileira dos Fabricantes de Motocicletas, Ciclomotores, Motonetas, Bicicletas e Similares).

Cenário este confirmado nas 20 lojas da Honda Blokton espalhadas pelo Paraná. De janeiro a abril de 2022, 30,2% das negociações tiveram a mulher como cliente. Os modelos mais requisitados foram as campeãs de vendas Biz e CG 160, além da PCX.

A grande maioria busca scooters e as de até 160 cc, como a CG. Mas, também na Blokton há clientes que pilotam motos de alta cilindrada, como CB 500X, NC 750 e Africa Twin.

“As mulheres são mais detalhistas do que os homens na hora da compra, Querem saber sobre consumo, valor de parcela que cabe no bolso, acessórios que a motocicleta possui, capacete mais adequado, entre outros”, comenta Leise Braga, gestora da concessionária Honda Blokton Marechal.

Na visão dela, a mulher está cada vez mais independente e encontrou na motocicleta uma aliada para economia de tempo e gasto com combustível.

Meio de transporte para evitar 2h de ônibus

Jackeline Pinheiro de Souza, 20 anos, há pouco tempo ajudou a engrossar essa estatística feminina. No fim de março adquiriu sua primeira motocicleta, uma Honda CG 160 Titan, na concessionária Blokton.

Ela conta que sempre gostou de motos e a decisão definitiva de compra veio também com a vontade de não ficar dependente do transporte público para ir ao trabalho.

“Era muito tempo dentro do ônibus. Moro no Sítio Cercado e levava quase duas horas até Colombo. Pegava três ônibus para ir e dois para voltar. Saía do trabalho às 18h e chegava em casa às 20h. Agora, com a moto, faço o trajeto em 30 minutos”, relata a auxiliar administrativo.

Além da agilidade no deslocamento e a melhora na qualidade de vida, a curitibana destaca a praticidade e a economia de combustível e de manutenção (comparado ao carro) como vantagens para ter uma moto na garagem.

“Minha vontade é em breve conquistar um modelo maior. Quem sabe uma CB 250F Twister, de estilo mais esportivo. Já lá no futuro, ainda vou ter uma de 500 cc ou de 1000 cc”, projeta Jackeline.

Apesar do pouco tempo de CNH A, a motociclista já entende bem como se comportar sobre duas rodas no trânsito de uma cidade como Curitiba. Para a auxiliar administrativa é preciso ter bastante atenção e evitar os pontos cegos dos veículos, principalmente ônibus e caminhão. E, também manter uma distância segura dos carros à frente. “O trânsito fica mais tranquilo tomando esses cuidados”, salienta.

Motocicleta como fonte de renda

Há mulheres que transformam a paixão pela motocicleta numa alternativa de renda. No caso de Luana Lopes da Silva, 28 anos, serviu para capitalizar um dinheiro extra no fim do mês.

Ela comprou sua Honda PCX no início de 2020 na Honda Blokton Pinheirinho, em Curitiba, para realizar um antigo sonho. Veio a pandemia do coronavírus e o que era meio de transporte também a ajudou a manter as finanças em dia.

Ela percebeu que o serviço de entrega havia crescido muito durante a crise da Covid-19 e decidiu aproveitar o momento. “Eu era motogirl de uma hamburgueria. Isso me ajudou. Fiquei sete meses lá, até que a empresa fechou”, conta.

A hoje assistente administrativo tentou seguir no ramo da entrega, porém não levou a ideia adiante. Agora usa a PCX para ir ao trabalho e em viagens de fim de semana, como já fez, descendo para o litoral paranaense.


Luana Lopes também faz viagens de curta distância com a sua Honda PCX, principalmente para o litoral paranaense. Crédito: Doti Harteman/ Arquivo pessoal

“É uma experiência incrível, com aquela vista linda da Serra do Mar e a sensação de liberdade.”

Luana diz que usa a moto o tempo todo, mesmo com chuva ou frio. Equipamentos como capa de chuva, luvas e protetores de pé ajudam encarar o aguaceiro ou a temperatura baixa sem problema.

“Minha PCX tem um compartimento embaixo do banco onde cabem todos os equipamentos, como calça, blusa, luvas e capa do pé. Tem espaço para guardar bastante coisa”, frisa.

A paixão por motos é de família, diz Luana Lopes, que busca incentivar as mulheres a entrar no universo das duas rodas. Crédito: Doti Harteman/ Arquivo pessoal

Fã de scooter, ela teve uma Honda Lead como primeiro veículo. E que o fato de não exigir troca de marcha, apenas acelerar e frear diretamente no guidão, possibilita pilotar até com salto alto e de vestido.

“Não atrapalha e eu fico mais à vontade nos dias de calor, por exemplo. E, também consigo colocar a compra de supermercado debaixo do banco”, ressalta Luana, complementando que a paixão por motos é de família. “Eu cresci curtindo. Meus tios, minhas tias, minhas primas, todos têm moto.”

Superando medo e depressão em cima da moto

A relação de Telma Crummenauer com o universo das duas rodas é algo que transcende a paixão. Foi em cima de uma moto que ela conseguiu superar a depressão.

“Eu joguei o pano de prato aos 46 anos (ao entrar no mundo das motos) e descobri que poderia superar qualquer medo”, relata a mãe, esposa, empresária e hoje motociclista, de 53 anos.

Com a chegada dos filhos, ela havia saído de frente do guidão e ido parar na garupa. “Virei garupa do meu marido por 26 anos”, lembra. Mas, Telma entendeu que precisava pilotar a própria vida.

Os últimos oito anos dela foram intensos, desde que começou a acelerar uma Honda Shadow 750, carinhosamente chamada pela dona de “Lady”. Boa parte vividos após ela criar a confraria Filhas do Vento e da Liberdade, atualmente com mais de 10 mil simpatizantes em todo o Brasil.


Telma e sua Honda Shadow 750cc, uma companheira inseparável nas estradas pela América do Sul. Crédito: Arquivo pessoal

Com o grupo, Telma caiu na estrada para vivenciar viagens inesquecíveis e realizar inúmeras ações sociais, ajudando várias ONGs, além de auxiliar muitas das próprias integrantes, que, assim como ela, enfrentaram algum tipo de problema pessoal.

“As motos podem fazer muita diferença na vida de mulheres. E o grupo mudou a vida de muitas delas, e para melhor. E, isso não tem idade. Eu vejo mulheres de 60 anos tirando a CNH A e arrasando nas estradas. Em cima da moto, o nosso espírito é livre”, filosofa.

Entre as diversas realizações, Telma tem orgulho de ter feito parte do primeiro grupo feminino a contornar todo o estado do Paraná sobre duas rodas, em 2020, no projeto “Filhas do Paraná”.


A motocicleta fez Telma superar a depressão e criar a confraria Filhas do Vento e da Liberdade. Crédito: Arquivo pessoal

Formado por 15 motociclistas, o grupo percorreram 3 mil quilômetros, nas divisas com Santa Catarina, São Paulo, Argentina e Paraguai, além do litoral.

A iniciativa visava promover a campanha Outubro Rosa, de conscientização e combate ao câncer de mama. “Fizemos o plantio de ipês rosas, simbolizando a força feminina, e visitamos hospitais oncológicos.”

Para comemorar seus 50 anos, Telma também organizou uma expedição de motos só com mulheres para o deserto do Atacama, no Chile, em 2019. Batizado de “As Rosas do Deserto”, a trupe feminina rodou 9 mil quilômetros, passando pela Cordilheira dos Andes, nas sinuosas curvas de Caracoles (liga a Argentina ao Chile).


A expedição As Rodas do Deserto percorreu 9 mil km entre ida e volta até o Atacama, no Chile. Crédito: Arquivo pessoal

“Foi uma reunião de mulheres cansadas de andar na garupa e ansiosas para superar desafios. Não tivemos assistência de carro de apoio ou qualquer homem motociclista durante 27 dias”, observa.

A aventura teve a participação de mães, donas de casa, aposentada, engenheiras, médica-veterinária, militar e servidora pública. Algumas pilotando os modelos Honda NC 700, 700X e 750. Telma foi com a sua Shadow 750. Segundo ela, é uma das melhores motos para mulheres, devido ao peso e a altura. 

“Motociclismo é alegria e respeito pelas pessoas. E qualquer um pode subir numa moto, andar e sentir o vento na cara. Isso é a liberdade”, finaliza.